ode aos (meus) avós


à minha bisavó do coração E. pela paciência que sempre teve. pela tolerância às minhas asneiras. por me ter ensinado a rezar e por não me obrigar a fazê-lo quando não me apetecia. por nunca me ter dito "não". por me ensinar que o mimo não estraga. só educa para a felicidade. por permitir e se rir da cozinha suja (muito suja) de farinha. a minha bisavó da pele macia, cabelo de algodão. brincos trabalhados nas orelhas rasgadas. das caixas e caixinhas. deleite de infantil curiosidade. a minha companhia de uma cama gigante quando os pais ainda trabalhavam. a minha bisavó das esperas por à janela. largas horas gastas. mas sempre lá com um sorriso a cada chegada. a acenar com uma lágrima aquando da partida. se a bondade tivesse um sinónimo seria o seu primeiro nome. 

umas cócegas no joelho ao meu avô A. o avô dos escuteiros. a referência do gentleman. boa educação vinda de dentro. o avô do chapéu manuseado subtilmente como cumprimento às senhoras que passavam. do lenço na lapela (sempre condizente). o avô que dava o meu primeiro passo para novas amizades. o avô das torradas sem côdea. dos passeios de carro. memórias que iam buscar o meu pai e as aventuras de ambos. do parque infantil e do empurra o baloiço numa dança sem fim. dos patos (ou seriam cisnes?). o avô dos jornais na ponta da língua. do benfica. o local e o nacional. o avô das aulas dos primeiros solavancos. direcção não assistida. sempre em frente. sugeriu um dia que me casasse com um vestido de ganga. ri-me. riamos muito. o avô do “Maria” que deixou para o meu filho.

ao meu avô P. que garantia que os meus braços não estavam destapados no frio. o avô das malas de viagem. malas que carregavam cores e padrões. guardadas num quarto secreto de onde saíam amostras de tecidos para os vestidos das minhas bonecas. o avô da “Diane” com os bancos sempre a ferver com o calor da cidade. forrados com uma tolalha para não me queimarem. o avô que me apresentou os feijões para contar dinheiro. os jogos de cartas com nomes engraçados. o avô a quem conseguia sempre ganhar. que tanto aturou de um cão de quem nem gostava assim tanto. que me cedia o coração da melancia e o rim do coelho. o avô da mata. da procura do galo. da espuma de barbear farta e do pente fininho. o avô que me trouxe o primeiro confronto com a dor de perder assim.

à minha avó Di. a minha avó tecnológica. dos estudos continuados dentro e fora de tempo. dos livros do Poirot. dos sapatos e trapos da moda. da mente aberta e contínua vontade de abraçar o mundo todos os dias. das unhas cor chocolate e lábios vermelhos. que finta a idade com uma pinta que é só dela. que prova que a idade é em muito atitude. que nos surpreendeu depois de ficar sozinha com o salto que foi capaz de dar para sair do poço. que venera praia, mar, sol, esplanadas, caracóis e boas conversas. que me mandou para o cabeleireiro depois de ser mãe. porque há que não descurar a imagem.

à minha avó C. da gargalhada alta e fácil. da casa com braseira. com quintal. com tanque para esfregar a roupa e laranjeiras para os sumos. flores verdes em forma de bolinhas para brincar aos berlindes. brincos de princesa para o ar da minha graça. mestre da culinária. da porta de casa sempre aberta porque os vizinhos eram uma família. das filhós e do enredo do pai natal que nunca consegui conhecer. a avó que passeava comigo pela rua estreita fugindo da janela da bruxa. que deixou a sua cidade e nunca mais conseguiu recuperar da saudade que lhe apertava o coração. e que nunca deixou de me chamar princesa.

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