entrelaçados

dizem que desde cedo brincava com as minhas mãos. tenho memórias disso. deitada à espera que o sono viesse os dedos ganhavam vida. aqueles através dos quais o meu avô materno me reconheceu. entre tantos outros recém-nascidos. eram os mais compridos e iguais aos da mãe disse. desde cedo também tu começaste a brincar com as tuas mãos. para adormeceres começávamos com carícias nas palmas de cada uma. mais para o meio mamã. agora só nos dedos. conduzias-me quando ainda não falavas. e eu ouvia-te. depois eu saía do quarto e tu continuavas. pequenos braços levantados. também os teus dedos ganhavam vida. dançando no escuro. apenas uma pequena sombra. luz de presença cúmplice. hoje ainda o faço mas não contes a ninguém. tu também que eu sei. mas tu podes. eu já devia ter ganhado juízo. em paralelo e sempre que nos apetece há o ritual só nosso. a quatro mãos. que juntas são mais fortes para dar asas à imaginação. gostamos destes dedos entrelaçados. podia jurar que de uma só pessoa se trata tal é a coordenação de movimentos. malabaristas que contam histórias a dois (?). brincam. entrelaçam-se. soltam-se. encaixam-se novamente. não ficam atrás da versatilidade dos legos. mas são pele. pele com pele. e afecto. nunca falamos sobre o que pensamos quando partilhamos este jogo só nosso. não sei o que representavam há pouco. talvez algo para ti. diferente para mim. quiçá o mesmo. mas não é isso que importa. mesmo nada desde que continuem encontrar-se sempre que nos apeteça. afinal a imaginação é uma das portas para a liberdade.


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