o livro da história não vivida.

munimos-nos de artefactos contra os sentimentos que no fundo tanto procuramos. protegemos-nos de nos entregarmos enquanto reclamamos atenção. erguemos barreiras que nos circundam na esperança que alguém as derrube. gritamos por independência ansiando um colo onde caiba todo o nosso ser. cultivamos a importância de saber estar só para nos convencermos de que esta é a receita. e estamos assim alerta. sentidos apurados ao mínimo sinal de perigo. para que não haja perda de controlo. ou aparente falta de. em guarda até que. o momento em que alguma coisa nos faz esquecer o que era suposto. do que dizíamos querer. é nesse momento que vacilamos. desprevenidos. num piscar de olhos. por total acaso. é nesse momento que temos medo. um arrepio avisa corpo frágil. ficamos despidos. questionando tudo o que aprendemos a aprender. tudo o que nos convencemos que evitaríamos. é nesse momento que não fazemos ideia do que fazer. ou ousamos ou não. não dura mais que um minuto. a pele em bruto grita vai. o cérebro cansado diz tem cuidado. na encruzilhada do inesperado tudo pode acontecer. há quem siga em frente. há quem recue um passo. respeito os dois. afinal cada um teve o seu percurso. ela foi capaz. audaz. corajosa. quebrou os cânones. arriscou. confiou. abriu as portas e saltou. ele não. apanhou-a porque o andar era alto e o respeito também. mas pousou-a no chão depois de lhe dizer só com os olhos que não seria capaz. quando comecei a ler o livro não o previa. pensei que fosse ela a primeira a fugir. imaginei-o a ele a não desistir. a descrição de ambos assim o fazia prever. ela a racional. ele o espírito livre. a química inquestionável. os livros são tramados. criam expectativas logo nas primeiras páginas. prendem-nos ao imaginário. até que chega o fim. não gostei particularmente deste. se pudesse rescrevia-o. como não posso presto a minha homenagem a esta mulher. que mesmo com o peso do que viveu se deu a oportunidade de tentar diferente. pedro paixão responde “para perder o medo” à pergunta “para que serve o amor?”. ela sabe que é assim. por isso mesmo que diga que não vai tentar outra vez. e outra. se novo momento acontecer. ele não faço ideia. mas espero que se permita arriscar mesmo que às escuras. mesmo que sem certezas. mesmo que sem comando. a vida tem mais piada assim. como os bons livros. os que mesmo sem final feliz contam uma história de qualquer coisa vivida.


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